“O terrível é que, nesse mundo de hoje, aumenta o número de letrados e diminui o de intelectuais. Não é esse um dos dramas atuais da sociedade brasileira?”
Talvez a palavra intelectual tenha perdido um pouco do sentido com o passar dos anos. É só constatar, por exemplo, quantos hoje, no Brasil, poderiam ser classificados assim. Mas, não há muito tempo atrás, a figura do intelectual fazia parte da vida ativa de nossa sociedade, com célebres cabeças pensantes que nos ajudaram a compreender melhor o mundo em que vivemos.
Um desses intelectuais foi, sem dúvida, Milton Santos. Nascido no município baiano de Brotas de Macaúbas no ano de 1926, Milton é considerado por muitos como o maior geógrafo que o Brasil já teve, e um dos mais renomados do mundo. Para se ter uma ideia, ele conquistou, no ano de 1994, o Prêmio Vautrin Lud, o chamado Nobel de Geografia, sendo o único brasileiro a conquistar esse prêmio e o primeiro geógrafo fora do eixo Anglo-Saxão a realizar tal feito.
Mas, por que Milton Santos foi tão importante não só na sua área, mas, como pensador contemporâneo?
Um dos motivos, e o mais importante de todos, é que ele usou os seus estudos em Geografia para tecer uma visão crítica da sociedade, com opiniões bem fortes e diretas sobre assuntos espinhosos, como globalização e capitalismo. Em uma de suas mais importantes obras, “Por uma Geografia Nova”, ele faz duras ressalvas à chamada Nova Geografia, mais preocupada com números e estatísticas do que com o fator humano propriamente dito.
Em relação, especificamente à globalização, Milton era um de seus mais severos críticos. Uma vez, ele declarou: “Essa globalização não vai durar. Primeiro, ela não é a única possível. Segundo, não vai durar como está porque como está é monstruosa, perversa. Não vai durar porque não tem finalidade”. Não é à toa que uma de suas obras mais conhecidas seja “Por uma Outra Globalização”, onde ele dividiu esse fenômeno em, basicamente, três categorias:
- “como fábula” (como ela é mostrada);
- “como perversidade” (como ela realmente é);
- “como possibilidade” (explorando a ideia da possibilidade de uma globalização mais inclusiva e menos predatória).
Essa consciência perante o mundo também teve as suas consequências. Em 1964, após o golpe militar, Milton foi preso em uma unidade do exército, localizada em Salvador. Recebendo visitas frequentes de membros de sua equipe de laboratório e de amigos, ele só foi solto após um princípio de derrame, sendo internado em um hospital, e, posteriormente, ficando em prisão domiciliar por cerca de seis meses, até conseguir sair do país, de onde retornaria somente em 1977, 13 anos após o exílio.
Após o seu retorno para o Brasil, Milton Santos continuou lecionando, mesmo depois da sua aposentadoria, até a sua morte, em 2001, aos 75 anos. Deixou uma vasta obra, que ainda hoje é referência não somente para geógrafos, mas, por estudiosos de ciências sociais como um todo, ou simplesmente, para quem se interessa por questões que vão da globalização e ao consumismo, passando por cultura midiática de massas. Sem dúvida, foi um dos brasileiros mais célebres do século 20, ao lado de Josué de Castro e Paulo Freire. Em resumo: um ser humano fascinante.
DICA: Assistam ao documentário “O Mundo Global Visto do Lado de Cá”, dirigido por Sílvio Tendler, e que discute os problemas da globalização sob a perspectiva de Milton Santos, a partir de uma entrevista que ele deu a Tendler quatro meses antes de sua morte. O documentário se encontra disponível e completo no Youtube.
“A força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos que apenas conseguem enxergar o que os separa e não o que os une.”